O teletrabalho transnacional, intensificado pela globalização e pela Revolução Industrial 4.0, tornou-se uma realidade no mercado de trabalho contemporâneo. No entanto, essa modalidade apresenta desafios legais significativos, como a definição da legislação aplicável e da jurisdição competente em disputas trabalhistas. Este artigo, com enfoque favorável às empresas, analisa as vantagens e implicações legais do teletrabalho transnacional, destacando o papel da legislação brasileira e a aplicação do princípio da norma mais favorável.
O avanço das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) possibilitou a expansão das relações de trabalho para além das fronteiras físicas dos Estados. No Brasil, a Lei nº 13.467/2017 inseriu na CLT a regulamentação do teletrabalho, previsto no art. 75-B, porém sem aprofundar as nuances do teletrabalho transnacional. Este fenômeno, caracterizado pela prestação de serviços à distância para empresas localizadas em diferentes países, desafia a definição da legislação aplicável e da jurisdição competente.
De modo objetivo, a legislação brasileira prevê que, em casos de contratos internacionais, deve prevalecer a norma mais favorável ao trabalhador, conforme o art. 7º da Constituição Federal. Contudo, a aplicação desse princípio pode gerar desigualdades entre trabalhadores que realizam funções semelhantes, mas estão sujeitos a diferentes legislações devido às peculiaridades de sua relação contratual. Isso se intensifica no teletrabalho transnacional, em que a prestação de serviços ocorre frequentemente no ciberespaço.
O ambiente virtual, sem limites territoriais claramente definidos, desafia a aplicação dos critérios tradicionais para determinar a legislação aplicável, como o local da prestação do trabalho. A desterritorialização do ciberespaço redefine, portanto, a percepção de lugar no contexto trabalhista, tornando o desafio jurídico ainda mais complexo.
O Código de Bustamante, Decreto nº 18.871/1929, adota como critério a territorialidade, aplicando a legislação do local da prestação de serviços em situações como acidentes de trabalho e proteção social. Adicionalmente, a Lei nº 7.064/1982 garante que trabalhadores brasileiros contratados para atuar no exterior mantenham direitos equivalentes aos previstos na legislação nacional, salvo disposição em contrário nos contratos. Tem-se, pois, que tal cenário cria uma sobreposição de normas que requer análise criteriosa para evitar conflitos jurídicos.
No que tange à jurisdição, o art. 651 da CLT estabelece que o foro competente é o da celebração do contrato ou o da prestação dos serviços. No entanto, a desterritorialização inerente ao teletrabalho exige uma abordagem jurídica mais adaptada às novas realidades do mercado de trabalho.
Nesse ínterim, a jurisprudência e os princípios do Direito Internacional Privado são fundamentais para determinar os critérios de conexão que melhor atendam aos interesses das partes, sem desrespeitar normas de ordem pública. Em contratos internacionais, cláusulas de eleição de foro podem ser pactuadas, desde que garantam acesso à justiça e respeitem o equilíbrio nas relações de trabalho.
O princípio da norma mais favorável, amplamente aceito no direito do trabalho brasileiro, pode levar à aplicação da legislação nacional em contratos transnacionais. Porém, é essencial ponderar sua aplicação, considerando o conflito com o princípio da igualdade. Enquanto o primeiro visa assegurar maior proteção ao trabalhador, o segundo busca evitar disparidades injustificadas no tratamento de empregados em contextos semelhantes.
No tocante aos benefícios, tem-se que as empresas que adotam o teletrabalho transnacional usufruem de vantagens significativas, como:
- Acesso a Talentos Globais: Possibilidade de contratar profissionais qualificados independentemente de sua localização geográfica.
- Redução de Custos Operacionais: Diminuição de despesas com infraestrutura física e, potencialmente, custos trabalhistas dependendo da legislação aplicável.
- Flexibilidade e Produtividade: Adaptação a diferentes fusos horários e aumento da produtividade em função da flexibilidade do trabalho remoto.
Conclui-se, pois, que o teletrabalho transnacional é uma oportunidade estratégica para empresas em um cenário globalizado. Contudo, a complexidade legal exige cautela e planejamento. Recomenda-se a elaboração de contratos claros, observância das legislações nacionais e internacionais aplicáveis e a consulta a especialistas em direito internacional do trabalho. Assim, é possível mitigar riscos e maximizar os benefícios dessa modalidade de trabalho, promovendo segurança jurídica e competitividade empresarial.
Referências
BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452, de 1 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 9 jan. 2025.
BRASIL. Lei n. 7.064, de 6 de dezembro de 1982. Dispõe sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7064.htm. Acesso em: 9 jan. 2025.
FINCATO, Denise Pires; BITENCOURT, Manoela de. Ciber como local de trabalho: o problema (ou a solução?) do teletrabalho transnacional. Quaestio Iuris, v. 8, n. 4, p. 2237-2263, 2015. Disponível em https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/20954. Acesso em: 9 jan. 2025.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Privado. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.