Conceito
O conceito de compliance, derivado do verbo inglês “to comply“, carrega consigo a ideia de conformidade, aceitação ou adesão. Embora o termo não tenha uma tradução exata para o português, expressões como “conformidade” ou “acordo” são comumente associadas ao seu significado. Em essência, compliance envolve o cumprimento de normas e regulamentos, sejam eles estabelecidos pelo Estado ou pelas políticas internas de uma organização.
No âmbito jurídico, estar em compliance significa, em termos simples, atuar dentro dos limites da legalidade, respeitando as leis que regem uma sociedade. Trata-se de garantir que todas as ações, tanto pessoais quanto corporativas, estejam em conformidade com a legislação vigente, evitando assim riscos legais e promovendo um ambiente seguro e justo para todos os envolvidos.
No contexto corporativo, o conceito de compliance vai além do simples cumprimento das obrigações legais. As empresas têm cada vez mais reconhecido a importância de integrar a ética e a transparência em suas práticas. O compliance, nesse sentido, não se limita somente ao cumprimento das normas externas ou internas, mas envolve também um compromisso com altos padrões de conduta e responsabilidade social. Ao adotar uma cultura de compliance, as organizações buscam construir uma reputação sólida, baseando suas operações em valores éticos e no respeito a seus stakeholders, incluindo clientes, colaboradores, fornecedores e a comunidade em geral.
Origem
O compliance possui origem internacional, e sua importância tomou enormes proporções em virtude de diversos escândalos de fraude e corrupção ao longo da história, que ensejaram uma busca incessante por medidas preventivas e contingenciais que freassem as mencionadas práticas ilícitas, tanto no contexto das organizações, quanto no contexto da legislação internacional.
Merecem destaque dois emblemáticos casos, quais sejam: o caso WATERGATE, que originou a criação da FCPA nos EUA, legislação referência mundial de compliance, e o caso ENRON, que originou a criação da lei norte-americana Sarbanes-Oxley, os quais serão objeto de breve análise a seguir:
Caso Watergate e FCPA: Em 1972, autoridades norte-americanas realizaram uma investigação a respeito de doações corporativas para fins políticos. A referida investigação revelou um enorme esquema de pagamentos ilícitos a funcionários públicos estrangeiros. Encerradas as investigações, cerca de 400 empresas confessaram a prática de pagamentos ilícitos, os quais somavam a quantia de aproximadamente 300 milhões de dólares.
A deflagração deste escândalo, gerou um cenário de extrema insegurança econômica nacional e internacional para os investidores das empresas norte-americanas, razão pela qual o governo estadunidense criou e aprovou a FCPA – Foreign Corrupt Practices Act (em tradução livre, Lei sobre Práticas de Corrupção no Exterior), busca combater o pagamento de propina fora dos Estados Unidos e punir a fraude nos livros contábeis e balanços das empresas.
Caso Enron e SOX: Enron foi uma empresa norte-americana do setor de energia que foi alvo de denúncias de fraudes contábeis e fiscais. Após investigações, foi apurada a existência de uma dívida de bilhões de dólares da empresa, que, mesmo após submetida a auditorias, não constava em seus registros contábeis. Em conluio com a empresa de auditoria interna Arthur Andersen e diversos outros bancos, a Enron inflou seus lucros e alterou seus balanços financeiros por um período de dois anos, ocultando uma dívida de aproximadamente USD 25 bilhões. Ambas as empresas fecharam e, em razão deste escândalo financeiro (e de muitos outros que também aconteceram), os Estados Unidos aprovaram a Lei Sarbanes-Oxley, que prevê a responsabilização da administração corporativa, principalmente nas figuras do CEO e do CFO, pessoas responsáveis por atestar que a companhia está apresentando informações confiáveis aos investidores.
Finalidade
A implementação de programas de compliance dentro das empresas tem se tornado uma prática essencial para assegurar a conformidade legal e, também, para mitigar riscos de fraudes, corrupção, e outras irregularidades. Além disso, uma gestão efetiva de compliance pode resultar em benefícios significativos, como o fortalecimento da confiança do mercado, a melhoria da governança corporativa e a preservação da integridade organizacional.
Por isso, estar em compliance é muito mais do que simplesmente seguir regras, trata-se de adotar uma postura proativa em relação à ética, integridade, transparência e responsabilidade corporativa. Isso é importante para que as empresas evitem sanções legais, bem como construam uma cultura organizacional sólida, que valorize práticas justas e contribuam positivamente para o ambiente de negócios como um todo.
Ao investir em práticas de compliance, as organizações garantem o cumprimento das normas e promovem uma cultura de integridade, confiança e respeito, que é vital para a sustentabilidade a longo prazo. O compromisso com o compliance é, portanto, um fator determinante para o sucesso nos negócios, refletindo a seriedade e o comprometimento da empresa com a ética e a responsabilidade em todas as suas operações.
Principais Legislações Brasileiras (Item 14 – Lei Anticorrupção E Decreto Federal 11.129/2022)
Lei anticorrupção
Ao se tornar signatário das Convenções OEA, OCDE e Nações Unidas, o Brasil assumiu a obrigação de possuir em seu ordenamento jurídico norma capaz de punir empresas por práticas de atos de corrupção contra os funcionalismos públicos nacional e estrangeiro.
Promulgada em agosto de 2013 e em vigência desde janeiro de 2014, a Lei Anticorrupção (12.4846/2013) pune as empresas pelos atos praticados contra a administração pública, nacional e estrangeira, em âmbito civil e administrativo.
Também merecem relevância os demais aspectos da Lei Anticorrupção a seguir: (i) aplicação a qualquer pessoa jurídica que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente; (ii) responsabilização solidária entre as entidades do grupo econômico; (iii) responsabilização sucessória nas reorganizações societárias; (iv) extensão dos atos lesivos contra a administração para atos ilícitos também em licitações; (v) julgamento do ato lesivo através do Processo Administrativo de Responsabilização – PAR; (vi) possibilidade de celebração de acordos de leniência; (vii) cadastro das empresas condenadas no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS e Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP; e (viii) incentivo para a implementação de programas de compliance.
Decreto Federal n.º 11.129/2022
O Decreto n.º 11.129/2022, que revogou o Decreto 8.420/15, traz em seu texto a regulamentação da Lei Anticorrupção, definindo, entre outras coisas, em que consiste um programa de integridade e quais os parâmetros para sua avaliação em eventual apuração de responsabilização administrativa pelo Estado.
Segundo o Decreto, um “programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, com objetivo de prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira; e fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional”.
É de se notar, portanto, que a legislação brasileira, acompanhando a tendência mundial, vem constantemente se aprimorando com a adoção de novas e efetivas medidas de caráter sancionador-negocial pela Administração Pública, reforçando o propósito e relevância do combate à corrupção e o fomento à cultura do compliance no cenário nacional.
Conclusão
Como exposto, o instituto do compliance é um conjunto de mecanismos, políticas e ações que têm por objetivo manter as organizações, privadas ou públicas, em conformidade com as leis e com a ética, que vem ganhando cada vez mais força no cenário nacional, ante a necessidade das organizações de promover boas práticas, transparência e responsabilidade social para permanecerem atualizadas com as constantes mudanças e evoluções exigidas pelo mercado.
Referências bibliográficas
BRASIL. Decreto n. 11.129, de 11 de julho de 2022. Regulamentação da Lei Anticorrupção. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/decreto/d11129.htm. Acesso em 17 jan. 2025.
BRASIL. Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013. Lei Anticorrupção. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12846.htm#art7viii. Acesso em 17 jan. 2025
SILVA, Beatriz Cristina Rodrigues. SIMÃO, Jamile Cruzes Moysés. BENRADT, Pedro Henrique A. SIMÃO, Valdir Moysés. Aspectos relevantes do novo regulamento da Lei Anticorrupção. BRASIL. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-dez-08/opiniao-regulamento-lei-anticorrupcao/. Acesso em: 17 jan. 2025.